A Primavera na nossa poesia
11-03-2011 02:32A Primavera na nossa poesia..
Era preciso agradecer às flores
Terem guardado em si,
Límpida e pura,
Aquela promessa antiga
Duma manhã futura
Sophia de Mello Breyner
Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz,
Foi para assim cantar!
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que saiba perder…
Para me encontrar…
Florbela Espanca, in "Charneca em flor: sonetos"
Depois do Inverno, morte figurada,
A Primavera, uma assunção de flores.
A vida
Renascida
E celebrada
Num festival de pétalas e cores.
Olhos postos na terra, tu virás
no ritmo da própria Primavera,
e como as flores e os animais
abrirás as mãos de quem te espera.
Já se afastou de nós o Inverno agreste
Envolto nos seus húmidos vapores,
A fértil Primavera, a mãe das flores
O prado ameno de boninas veste.
Varrendo os ares o subtil Nordeste,
Os torna azuis: as aves de mil cores
Adejam entre Zéfiros e Amores,
E toma o fresco Tejo a cor celeste.
Vem, ó Marília, vem lograr comigo
Destes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo.
Deixa louvar da corte a vã grandeza:
Quando me agrada mais estar contigo
Notando as perfeições da Natureza!
Poema "Convite a Marília" de Manuel Maria Barbosa du Bocage, in Sonetos
Quando tornar a vir a Primavera
Talvez já não me encontre no mundo.
Gostava agora de poder julgar que a Primavera é gente
Para poder supor que ela choraria,
Vendo que perdera o seu único amigo.
Mas a Primavera nem sequer é uma cousa:
É uma maneira de dizer.
Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes.
Há novas flores, novas folhas verdes.
Há outros dias suaves.
Nada torna, nada se repete, porque tudo é real.
Alberto Caeiro in "Quando Vier a Primavera"
Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.
Sophia de Mello Breyner Andresen "Dia do Mar"
Andorinha de asa negra aonde vais?
que andas a voar tão alta
Leva-me ao céu contigo, vá
Qu'eu lá de cima digo adeus ao meu amor
Ó andorinha
da Primavera
Ai quem me dera também voar
Que bom que era
Ó andorinha
na Primavera
também voar
Pedro Ayres de Magalhães
Está-se a Primavera trasladando
em vossa vista deleitosa e honesta;
nas lindas faces, olhos, boca e testa,
boninas, lírios, rosas debuxando.
De sorte, vosso gesto matizando,
natura quanto pode manifesta
que o monte, o campo, o rio e a floresta
se estão de vós, Senhora, namorando.
Se agora não quereis que quem vos ama
possa colher o fruto destas flores,
perderão toda a graça vossos olhos.
Porque pouco aproveita, linda Dama,
que semeasse Amor em vós amores,
se vossa condição produz abrolhos.
Luiz Vaz de Camões
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